domingo, 30 de janeiro de 2022

Uma Oração aos Moços no Coração do Século XXI

                                (Discurso como paraninfo 

                    na colação de grau da turma 

dos graduandos em Administração 

da PUC Minas em Betim, 

em 22 de janeiro de 2021)

 

Machado de Assis nos brindou com um discurso chamado “Oração aos Moços”, Max Weber com outra fala primorosa, “A Política como Vocação”. Não estou aqui com a pretensão de alcançar esses grandes mestres.


Mas, neste momento que deixa marcas indeléveis na trajetória de vocês, queridas alunas, queridos alunos, formandas, formandos, é preciso também uma mensagem de esperança para os novos caminhos que vão se abrir a vocês.


Estamos todos aqui, alunos, alunas, colegas professores, funcionários, pais, parentes e amigos queridos, porque somos vencedores. Estamos vencendo uma pandemia que nos convida a repensarmos nossas vidas, nossa profissão, nosso trabalho.


Quando jovens administradoras e administradores se lançam em definitivo ao mercado de trabalho, como profissionais desse campo tão complexo, necessário e desafiador como a Administração, as esperanças se renovam.


Vivemos não apenas uma pandemia de um vírus mortal, vivemos uma pandemia de ódio, intrigas, fake news, intolerância e estupidez. Tudo isso ajuda a reforçar também uma doença social importante, para a qual vocês, amada geração de novos administradores e administradoras, chegam muito preparados para superar: a doença da má gestão.


Cabe a vocês, queridos e queridas jovens da Administração renovar nossa profissão superando também esses desafios. O Papa Francisco nos convida, através da Encíclica Laudato Si, a construirmos na terra uma economia mais humana, mais orientada para as reais necessidades das pessoas e da sociedade, mais justa e em harmonia com o patrimônio natural de nosso planeta.


Para alcançarmos essa Economia, chamada de Economia de Clara e Franscico, vocês administradoras e administradores são essenciais.


Francisco de Assis, o jovem italiano que renunciou à riqueza e à abundância, e passou a viver profundamente o amor pelos homens e bichos e plantas, inspirou uma bela oração, que talvez todos e todas aqui conheçam muito bem. Nessa oração, dizemos...

 

“Onde houver ódio, que eu leve o amor

Onde houver ofensa, que eu leve o perdão”

    

Pois bem, queridíssimos e queridíssimas que hoje estão se formando, vocês como jovens Administradores que chegam ao mercado de trabalho são desafiados a reescrever essa oração cotidianamente, a partir de agora.


A nova oração que será escrita por vocês, pode se iniciar hoje e agora, desta forma....

 

“Senhor,

Fazei de mim um instrumento da Boa Administração.

Onde houver Ódio, que eu leve a Negociação,

Onde houver Ofensa, que eu leve a Parceria.

Onde houver Discórdia, que eu saiba construir Alianças.

Onde houver Dúvida, que eu leve a Racionalidade da Boa Administração.

Onde houver Erro, que eu leve a Inovação.

Onde houver Desespero, que eu leve a Liderança.

Onde houver Tristeza, que eu leve a Real Prosperidade.

Onde houver Trevas, que eu leve o conhecimento Administrativo!”

 

Mas, essa oração pode se perder em si mesma se não for tornada realidade com humildade, dedicação, esforço e garra. Mas, sobretudo, com uma Administração voltada à promoção da Economia de Clara e Francisco.


Quando estiverem na dúvida se conseguirão, lembrem-se das façanhas que vocês nesses anos de PUC Minas conseguiram realizar. Vocês são trabalhadores e estudantes, bolsistas e filhos de famílias humildes, jovens que só tinham uma opção, estudar a noite e cansados ou não estudar, trabalhar exaustivamente e conseguir realizar o sonho de ser Administrador, Administradora, ou não chegar até aqui hoje. E vocês superaram tudo

isso.


Mas, como se não bastasse, superaram ainda mais, superaram uma pandemia e os desafios de aprender a estudar no sistema remoto de ensino. Vocês são vitoriosos. E a vitória de vocês, é também nosso maior presente, porque somos educadores.


Eu e todos os colegas professores e funcionários da PUC Minas, acreditamos em vocês desde seus primeiros passos em nossa universidade. E vocês se revelaram uma turma excepcional, daquelas que sempre lembraremos com carinho e gratidão. Gratidão não apenas porque permaneceram conosco, dando sentido às nossas vidas como educadores, mas porque vocês muito contribuíram para o aprimoramento de nosso curso, com suas demandas e visões críticas, mas sempre também com o espírito de colaboração e de construção conjunta.


Vocês nos ajudaram a sermos melhores. Muito obrigado por isso, queridos e queridas!


Que a colheita profissional seja fecunda, que a caminhada seja de valor e que algum dia, quando olharem para trás e se lembrarem deste dia, as mais puras e elevadas sensações de realização, completude, altivez e serenidade inundem o coração de vocês.


Um terno abraço de seu paraninfo...

 

Téo

Armindo dos Santos de Sousa Teodósio

Professor do Curso de Graduação em Administração

Paraninfo dos Formandos em Administração / 2º. Semestre de 2021

PUC Minas em Betim

armindo.teodosio@gmail.com 

31 9 8794 9564


domingo, 13 de outubro de 2013

Além da Profissionalização

Desde que se difundiu no Brasil a noção de Terceiro Setor, faz mais ou menos vinte anos, um dos esforços sistematicamente desenvolvidos foi o de promover a profissionalização de seus quadros. Por isso, para muitos, fala-se na “invenção” do Terceiro Setor. Ele teria sido inventado, ou reinventado, se preferirem, sob a aura de que as antes organizações filantrópicas agora comporiam o rol das organizações do Terceiro Setor, tendo como principal transformação o aprimoramento técnico e gerencial de seus membros.
            Empresas que investem em projetos de responsabilidade social, governos, organismos internacionais e grandes ONGs implementaram dezenas de cursos de formação nas mais diversas áreas, mas sobretudo treinamentos voltados à gestão organizacional das instituições do Terceiro Setor. A ideia subjacente seria a de que tendo boa gestão, tudo mais se resolveria. Pressuposto questionável e até irracional, essa ideia força configurou um verdadeiro fetiche sobre a gestão e suas possibilidades. Vultosos recursos, energias e esforços foram voltados para a profissionalização, entendendo-a como aprimoramento gerencial.
            A questão que vem a baila atualmente, depois de realizada a profissionalização de grande parcela das organizações do Terceiro Setor no Brasil e de operado seu ajuste organizacional, com a otimização de estruturas internas, quadros funcionais e mecanismos de gestão, é que só a profissionalização não basta. Muitas dessas organizações seguiram o fetiche da boa gestão e se esqueceram da formação política para exercício da defesa de direitos e para o diálogo independente com o Estado e as empresas, ora colaborando, ora denunciando, ora propondo melhores políticas e ações.
            Não se trata de mero achismo deste que vos escreve, trata-se de constatações de recentes estudos baseados na FASFIL, uma espécie de censo do Terceiro Setor no Brasil, de análises do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas e de pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas.
            Nestes tempos de ruas inflamadas pelos cidadãos, não só prefeitos e a classe política precisam dar respostas a esse novo universo político em ebulição. Você, caro dirigente, funcionário e voluntário de organizações do Terceiro Setor também precisa fazê-lo. E isso não se dará com as competências gerenciais desenvolvidas. Resta a reinvenção política do Terceiro Setor.

Artigo originalmente publicado: Teodósio, A. S. S. Além da Profissionalização. Hoje em Dia, 26 de junho de 2013, p. 23.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Deformação de Gestores

        A todo semestre faço contato com calouros do curso de graduação em Administração. Lecionando para eles, imaginava poder evitar aquilo que considerava uma deformação dos futuros gestores: acreditar piamente na falsa verdade de que o papel do gestor é lutar apenas pelos interesses da empresa, sempre centrados na busca de lucro e nada mais. Quando ensinava Ética nos Negócios, tema que para muitos é uma contradição, pois ou se tem ética ou se toca os negócios, recebia alunos prestes a se formarem e dentre eles também já estava naturalizada a inverdade de que as empresas só pensam em levar vantagem, pois essa seria a lei do mercado. Para meu espanto, agora ensinando para os calouros, logo na primeira semana de aula já ouço o mesmo discurso.
Essa mentira está naturalizada na sociedade e não apenas nas universidades e seus educadores, que já faz muito tempo, deixaram de ser educadores para meros formadores de mão de obra, extremamente qualificada tecnicamente e desqualificada ética e humanisticamente. Aprendemos que “amigos são amigos, negócios a parte” e passamos  a imaginar que as empresas e os mercados são instâncias independentes da vida em sociedade, dos laços familiares e da moralidade. Quando, no ambiente de negócios, traços de amizade, carinho e altruísmo se manifestam, nosso olhar cansado pela lente que só enxerga progresso no exterior e retrocesso no Brasil, teima em chamar isso de atraso e falta de competência técnica. O gestor eficiente seria talhado na dura frieza do “vil metal”. O discurso inverso do gerente humano nas empresas também não convence ninguém, pois na maioria dos casos não passa de cinismo em busca de mais lucro pelo lucro.
 A verdade é que nenhuma empresa é tão poderosa, mesmo as multinacionais que por anos deitaram e rolaram no Brasil, a ponto de conseguir realizar todos os seus interesses em prejuízo da sociedade. Leis mais rígidas quanto aos impactos sociais e ambientais das empresas encurralam os gestores. ONGs combativas alcançam a mídia e mobilizam milhares de pessoas, obrigando as empresas a alterarem sua compreensão do mundo e suas práticas de negócio. Novas gerações de talentos chegam ao mercado de trabalho com uma visão de compromisso social e ecológico, obrigando as empresas a se transformarem para retê-los.
Mas, para os que ainda não se convenceram, encerro esse artigo com o melhor que a tradição pode nos traz. É das mesmas terras que nos brindaram com o melhor uísque do mundo, a Escócia, que permanecem as ideias de um filósofo moral que ficou conhecido como pai da Economia, Adam Smith. Ele, ao contrário do que todos imaginam, nunca disse que as empresas só devem visar o lucro e nada mais. As empresas que só maximizam seus lucros não conseguem provar para a sociedade que são úteis e desaparecem, pois os mercados se sustentam sob um grande pilar, a confiança. Os abalos sísmicos na economia global desde 2008 são prova disso. Que o futuro nos brinde com novos e melhores gestores. O planeta agradece.
Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . Deformação de Gestores. Hoje em Dia, Belo Horizonte, p. 1 - 1, 23 fev. 2012.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Avaliação Fictícia

Janeiro é tradicionalmente o mês das promessas. Depois da esbórnia das festas de fim de ano, vêm uma série de planos, muitos deles decorrentes de uma revisão apressada e mal feita sobre o que realizamos no ano anterior. Entre as organizações não governamentais a realidade parece ser a mesma.

Não há profissional de programas sociais que seja contrário à avaliação. Todos constroem um discurso que associa a avaliação à transparência, controle social, democratização de informações e capacidade de reposicionar ações rumo à efetividade, tão sonhada e tão distante em muitos dos projetos. Não se pode negar que avaliações bem feitas são esteio para todos esses processos de avanço da cidadania. No entanto, existem grandes abismos entre o desejo de avaliar e a compreensão precisa do que aconteceu nos projetos.

Vários fatores tornam a avaliação de programas sociais inconsistente, alguns deles ligados a determinadas situações, que em tese podem ser evitadas ou contornadas, e outros ligados a elementos estruturais, sendo impossível eliminá-los. Não se pode negar que avaliação é como pimenta, “boa apenas nos olhos dos outros”, e que nunca deixará de ser isenta de interesses, valores e lutas políticas.

Avaliações que envolvem apenas uma parte dos atores envolvidos nos projetos sociais, deixando de lado a cúpula gestora, são muito freqüentes no universo das organizações não governamentais, governamentais e empresariais. Isso acaba por fazer com que, sob a aura da transparência e do acesso democrático às informações, seja reforçada uma dinâmica centralista e autoritária. Ou se avalia a todos, em todos os níveis hierárquicos simultaneamente, ou não se avalia nada; até mesmo porque, em muitos desses processos que deixam de lado os gestores, os demais avaliados acabam desenvolvendo ações para resistir aos mecanismos que culpam trabalhadores da linha de frente e público beneficiário pelos problemas encontrados. O mesmo se dá na relação entre financiador e financiado.

Outro problema da avaliação de projetos atualmente é que ela se transformou em idéia fixa na cabeça dos responsáveis por intervenções empresariais nos problemas sociais. As empresas, na maioria das vezes, associam aos governos a incapacidade de alcançar resultados e às ONGs a impossibilidade técnica de bem gerenciar. Nada mais distante da realidade do que imaginar o mundo assim simploriamente organizado. Ao mesmo tempo em que defendem essa meia verdade sobre projetos sociais, muitas corporações sequer conseguem avaliar suas performances em mercados competitivos. Além disso, empresas estão acostumadas a avaliar eficiência (fazer bem feito e pelo menor custo) e eficácia (fazer a coisa necessária), mas pouco ou nada sabem sobre efetividade (alcançar a maioria da população afligida pelo problema social em questão) e impacto (gerar resultados duradouros e de longo-prazo).

Tudo isso torna a avaliação de projetos sociais mera ficção na realidade brasileira: eu finjo que sou avaliado e você finge que me avalia. No entanto, na compreensão do público beneficiário brasileiro, que há décadas deixou de ser aquele pobre passivo e desinformado que muitos imaginam, existe uma avaliação e ela, mesmo desconhecida por muitos, é que diz cotidianamente o que tem dado certo e o que tem dado errado nos projetos sociais. Resta aos gestores aprenderem a melhor ouvi-los.


Publicação original: Teodósio, A. S. S. Avaliação Fictícia. Hoje em Dia, Belo Horizonte, 26/01/2012, p. 7.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Morte e Vida Severina nas Escolas e nos Shoppings

Tratar dos assuntos da ordem do dia, em uma coluna que se propõe a discutir tendências, traz sempre riscos; o maior deles o debate de algo que talvez não se imponha como perspectiva para o futuro. Tratar de assuntos que exigem competências fora da área central de atuação do articulista é ainda mais arriscado e pode resultar num em um discurso interessante, mas pouco profundo e consistente. Ainda assim, arrisco-me na discussão dos recentes episódios que chocaram a todos: a violência dentro na escola de Realengo e num shopping center na Holanda.
 
Reportagens e mais reportagens, debates e mais debates, com inúmeros especialistas e pessoas sem conhecimento específico, mas com muito ou as vezes pouquíssimo conhecimento prático da socialização de crianças na escola, na família e na sociedade, geram uma profusão de explicações e posicionamentos. Muitos deles, catastrofistas. Outros tantos, pautados na culpabilização de governantes, da mídia, do cinema, da sociedade consumista e individualista, e por aí vai. Longe de buscar uma explicação final e pronta para esses tristes e chocantes atentados, que infelizmente não são tão novos assim no caso brasileiro, quero discutir uma questão bastante específica: o caráter da violência na formação dos indivíduos nas sociedades modernas.
 
Remeter à violência explícita dos filmes hollywoodianos atuais e aos apelos da grande indústria da mídia para o consumismo, inclusive para o consumo da violência e do erotismo, a causa maior para os atentados que se multiplicam pelo mundo afora e chegam a acontecer mesmo em países que sempre se gabaram de ser um povo pacífico e calmo, como nós brasileiros costumamos e gostamos de nos imaginar, parece óbvio e incontestável. No entanto, quando analisamos o papel da violência na constituição das sociedades modernas, imaginadas como espaço de civilização e de não barbárie, nos deparamos com a realidade de que na socialização e na educação dos indivíduos modernos a violência tem papel central. Não somos tão doces bárbaros quanto nos imaginamos.
 
É partir dessa constatação que se evidencia o fato de que, toda e qualquer geração, sempre “brincou” com a violência, desde a mais tenra idade. Meus colegas de quarenta anos devem se lembrar das brincadeiras de faroeste, bang-bang e polícia e ladrão, esgueirando-nos pelos portões, becos e postes para “abatermos” nosso inimigo. Revólveres de plástico, cintos de caubóis e chapéus de soldado fizeram parte de nossa infância. Sem falar nos filmes com tiros e mortes e de vilões e mocinhos. Um leitor mais crítico vai dizer que hoje a violência é muito mais explícita do que naqueles tempos. Com certeza, sim. Mas, o que parece estar por detrás é algo mais relevante e que ultrapassa a perspectiva de um embate entre cidadãos de bem e boa índole sendo manipulados por gestores inescrupulosos da indústria cultural, principalmente a cinematográfica. Não que isso não possa existir. O problema é acreditar que milhões são manipulados por centenas de vilões hiperpoderosos, que detém o poder da grande mídia. A sociedade, a la Foucault, cria e recria seus processos de dominação, que contém zonas de conforto, sobretudo no desfrute (para não dizer consumo) da violência, inclusive por parte de quem se torna alvo dessa violência. Cuidado para não pensar que busco mitigar ou eliminar a culpa de quem praticou tais atentados. São pessoas que merecem punição pelas faltas graves e injustificáveis que cometeram.
 
O que parece fazer a diferença entre as gerações anteriores e as atuais com relação ao desfrute da violência, inclusive lúdico através das brincadeiras de crianças, é a perda da dimensão da mediação. Se antes a violência podia ser mediada e sublimada para um lugar bem localizado e controlado no imaginário e na psiquê infantil e adulta, hoje ela se materializa na concretude do ato violento sem nenhuma mediação, ou seja, sem nenhuma sublimação. A produção midiática da violência encontra o desejo de consumo ou desfrute dessa mesma violência sem mediação, mas como pura concretude, que nada mais é do que uma psicopatia nua e crua.
 
Isso se explica, no campo das dinâmicas do consumo contemporâneo, pela ênfase na “experienciação” de produtos e serviços, cada vez mais com um caráter radical dessa vivência, ou seja, pela produção da necessidade e pelo desejo de não apenas acessar determinados produtos e serviços, mas sobretudo vivenciar (experienciar) aventuras, emoções e status associados aos produtos, agora vistos não apenas como recursos para um melhor viver, mas uma verdadeira forma de viver. Esse é o caminho aberto para que os indivíduos “experienciem” a violência, sem mediação ou faz-de-conta. Não é a toa que um dos últimos atentados aconteceu justamente em um shopping na Holanda.
 
Mas, já me aventurei demais pelas praias da psicanálise, da sociologia, da psicologia social e dos estudos sobre consumo e, pior, sem formação suficiente e conhecimento prático para “nadar” tão longe. Que essas palavras sirvam de conforto para aqueles que perderam seus entes queridos e todos nós que sentimos, cada vez mais perplexos, a violência explícita e banalizada bater em nossas portas, quer seja nas escolas, quer seja nos novos templos: os shoppings centers, esses trágicos (no sentido grego de tragédia) locais de consumo e de vida e morte severina. Por mais que a catástrofe nos paralise, acredito piamente que quando desenvolvemos a capacidade de refletirmos criticamente sobre nós mesmos e nossos atos, já estamos dando um passo em direção a uma realidade diferente, quiçá melhor. Esses são meus votos para buscarmos alento diante das inocentes pessoas imoladas pela violência contemporânea.

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. Morte e Vida Severina. Hoje em Dia, Belo Horizonte, p. 15 - 15, 28 abr. 2011.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Quando os pobres chegam na classe média

Um dos fenômenos mais interessantes, instigantes e provocativos do cenário brasileiro dos últimos anos é a redução da taxa de pobreza. Novidade difícil de se imaginar, ainda que sempre fosse alvo dos esforços de qualquer brasileiro minimamente consciente das mazelas do país e objeto de desejo do pensamento crítico, a redução da população em situação de vulnerabilidade social carrega em si os paradoxos de uma nação que avança, mas nem sempre deixa de ser o mesmo Brasil: contraditório, complexo e cheio de artimanhas. Ora, “o Brasil não é para principiantes”, como nos bem lembra Tom Jobim.

Se o leitor pensa que vamos tratar aqui de artimanhas da elite para domesticar e explorar os pobres, lamento muito, mas esse repertório ficou pelo caminho, assim como ficaram pela estrada, nem sempre como sinal de maturidade democrática e política, as utopias (belas e não tão belas assim) dos anos 60 e 70 com seu discurso vitimizador dos “fracos e oprimidos”. Na verdade, tratamos aqui de um Brasil que ora é pura utopia, com o que tem de melhor no planeta (fauna, flora, gente, governo, ...), ora é pura decepção, com o que há de pior na raça humana (corrupção, nepotismo, descaso, desgoverno, ...). Entre o discurso eufórico dos partidários da regulação e ação governamentais e dos crentes na lenga-lenga do livre mercado acerca da inclusão dos pobres no mercado de consumo e o discurso cético daqueles que só enxergam assistencialismo em qualquer programa governamental, sobretudo o bolsa-família, reside a necessidade de uma análise realmente profunda, séria e inovadora da realidade brasileira contemporânea.

Quem se propõe a isso é Jessé Souza em seu novo livro “Os batalhadores brasileiros – nova classe média ou nova classe trabalhadora?” (Ed. UFMG). Para o pesquisador da UFJF, não poderíamos falar de uma nova classe média, pois a ascensão de parte da população pobre a patamares mais elevados de renda e consumo se dá pela ampliação de jornadas de trabalho em condições de labor nada decentes e pela disputa sempre desigual e desleal com a tradicional classe média, bem adestrada a navegar socialmente no “habitus” da disciplina, cultura educacional e profissionalismo, pilares centrais das sociedades capitalistas. Assim como no livro anterior, “A Ralé Brasileira – quem é e como vive”, a análise de Jessé Souza, concordemos ou não com ela, é capaz de desvelar olhares óbvios e ultrapassar concepções polarizadas e esteriotipadas sobre a pobreza brasileira. Novamente como fiz com o “Ralé Brasileira”, recomendo fortemente a leitura desse mais novo livro do autor.

A verdade é que esses antigos pobres, que saíram da pobreza, mas não chegaram à classe média, são a parte boa da maçã. Não é a toa que Jessé Souza os chama de “batalhadores brasileiros”. Grupo bem sucedido, se é que podemos dizer isso de quem se estropia de tanto trabalhar em condições precárias e empregos (quando não são subempregos e bicos) mais precários ainda, essa pobreza desperta a atenção de políticos, homens de negócios e de muitos “ongueiros”, nem sempre com as boas intenções daqueles que sempre se indignam diante da pobreza e desigualdade brasileiras. Nova massa de manobra política, consumidores ávidos e pessoas em vulnerabilidade social que oferecem ótimo rendimento em programas e projetos sociais de ONGs, esses “batalhadores brasileiros” parecem se tornar objeto de desejo tanto do Estado, quanto do mercado e da sociedade civil (nem sempre tão cívica assim).

Os mais céticos podem pensar que a inclusão via consumo é puro sinal de mero consumismo. Pobres e mais pobres se endividando nas Casas Bahia. Esse seria outro grande motivo para esses antigos pobres não chegarem à classe média. Ainda que mereça respeito esse tipo de análise, mais promissora parece ser a concepção de pesquisadores como Canclini e Lipovetsky, que enxergam possibilidades de emancipação, inclusive e sobretudo política, nos cânones do consumo, pois como todo espaço de sociabilidade contemporânea, o consumo carrega em si potências de ação articulada e consciência do espaço público.

Controvérsias a parte, esses ex-pobres exigem de quem se interessa pelo Brasil que aprendemos a sonhar (igualitário, democrático, sustentável, ...) uma imaginação sociológica, tomando aqui emprestado a expressão célebre de Wright Mills, capaz de penetrar a fundo no lado sombrio e no lado luminoso das “Terras Brasilis”. Quem sabe não serão esses ex-pobres, comprimidos entre a pobreza e a classe média, que nos mostraram que um novo país é possível. Esse é o desejo de Jessé Souza. Por enquanto, parecem apenas promessa num sonho cheio de riscos e armadilhas. Com a palavra os “batalhadores brasileiros”...

Publicação original: Teodósio, A. S. S. Quando os pobres chegam na classe média. Hoje em Dia, Belo Horizonte, p. 7-7, 31 mar. 2011,

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A Fonte da Indiginação

Os tempos atuais parecem deixar atônitos a muitos de nós. Que bom, pois quando vemos o mundo com a lente cansada da visão ensimesmada, como diria Machado de Assis, a vida se torna menos instigante e convidativa. Os recentes eventos de mobilização e contestação da sociedade, não tão civil e organizada assim, nos países muçulmanos nos convidam a uma reflexão para além de nossas meras e pouco sólidas certezas. Lembrando, Marx, tudo o que é sólido se desmancha no ar. Tudo o que nós, cristãos ocidentais imaginamos pela visão média e superficialmente informada sobre o Islã, seus povos e o Oriente parece desmanchar frente a nossa percepção de surpresa frente às imagens na televisão.

No entanto, quando se dá espaço à fala daqueles que se dedicam ao entendimento das sociedades não ocidentais, pode-se perceber que os recentes eventos de rebeldia e contestação contra regimes totalitários nos países muçulmanos não são tão surpreendentes assim. Longe de representar uma vitória da democracia a la Estados Unidos e a expansão do capitalismo pretensamente justo e igualitário para todo o planeta, a mobilização da sociedade contra as injustiças sociais e econômicas e os desmandos e repressão política governamentais nesses países tem raízes na própria formação cultural e social islâmica, que ultrapassam o lugar comum que a intelectualidade pró capitalismo ultra liberal teima em querer reforçar: culturas atrasadas, totalitárias e socialmente injustas como a islâmica tendem a desaparecer ou no mínimo ceder espaço para os valores ocidentais nesse mundo que globalizou a democracia representativa e o livre mercado.  Ou seja, na visão de muitos, enfim a democracia e uma sociedade civil ativa e forte chegaram ao mundo islâmico, tendo a reboque o livre mercado.

Quem dera a explicação fosse tão simplista e fácil. Para não citar muitos e muitos autores e aborrecer nosso resignado leitor, menciono nada menos, nada mais, que Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia. Esse indiano, professor em Cambridge, destaca bem as raízes éticas, socialmente justas, igualitárias e de respeito à diversidade presentes na formação cultural oriental, que vão desde os escritos de Confúcio, passando pelo príncipe indiano Ashoka, até chegar na efervescência intelectual e científica do Islã medieval. Essa tradição muçulmana soube dialogar com as culturas dominadas, incorporar inovações e difundir valores como a justiça e o zelo pela população governada. O que nós, ocidentais ensimesmados pela lenga-lenga pseudo-igualitária da simples democracia representativa (aquela que se resume ao voto) e do mercado ultra livre (uma abstração, pois nenhum mercado em momento algum da história da humanidade foi realmente livre, mas sim sempre regulado, graças a Deus, por normas sociais e governamentais) esquecemos de considerar é que uma tradição de justiça social, ética e igualdade também está nas entranhas da cultura muçulmana.

Parece vir dela a fonte de tanta contestação e indignação contra os governos que se apropriaram do poder e o utilizaram para reforçar a riqueza de um grupo de aliados. Novas mídias, Internet e o frescor da liberdade no Ocidente ajudam a reverberar essas lutas e essas aspirações, mas não podem ser entendidas como a simples causa ou vetor de agora termos jovens, homens e mulheres caminhando pelas ruas de alguns países muçulmanos contra regimes totalitários, que foram incapazes de promover a liberdade e a justiça social e econômica. Nós, latinoamericanos, devemos olhar também para nossas agruras, pois pesquisas sobre um possível retorno a governos ditatoriais nos nossos países, em especial no Brasil, não são trazem alento (a maioria dos respondentes não se importaria com um possível retorno dos regimes autoritários). Precisamos aprender com a sociedade civil islâmica onde habita a fonte da indignação e assim, sermos mais generosos e respeitosos frente à tradição islâmica de justiça e respeito pelos governados, que uma parte dos movimentos sociais, aqueles dedicados ao terrorismo e à violência, parecem também ter esquecido, mas que nunca deixou de fazer parte da verdadeira formação muçulmana.

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . A fonte da indignação. Hoje em Dia, Belo Horizonte, p. 32 - 32, 24 fev. 2011.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Feliz Ano Novo, Moçambique

Para os que sentiram a minha falta nos artigos, se é que sentiram, peço desculpas, mas estive em terras da África no final do ano passado, mais especificamente em Moçambique e na África do Sul. É para nossos compadres de língua portuguesa no sudeste do continente negro que dedico esse artigo.

Como a paródia do primo pobre e do primo rico, encontrei um Moçambique que hoje parece viver sob a sombra de dois países considerados emergentes, Brasil e África do Sul, e da rivalidade com uma Angola cheia de negócios e atividades empresariais. Basta cruzar a fronteira para perceber a diferença gritante entre ruas, estradas, casas, repartições públicas e pessoas sul-africanas e moçambicanas. Nas terras de Mia Couto perdura a miséria, a pobreza, a sujeira e a inapetência. Como se não bastasse, o Brasil varonil, que todos nós brasileiros conhecemos pelas entranhas e sabemos que não é tão bom quanto parece (nem tão horripilante quanto muitos teimam em afirmar que seja), é outro espectro que paira sobre o estigma de ser moçambicano e viver em uma nação rica em recursos naturais e ainda enfrentar graves problemas de desenvolvimento em todas as suas dimensões (econômica, ambiental, social, política e cultural). Mas, essas não seriam leituras fáceis, rápidas e injustas para com nossos colegas das terras de Mussa Ben Mbiki (xeique muçulmano que governava parte do país até a chegada dos portugueses e do qual deriva o nome Moçambique conforme pronúncia no nosso idioma)? Creio que sim. O etnocentrismo e a patriotada vêem de menos se espera. Nós, brazucas, que sempre sofremos com a visão ensimesmada dos países desenvolvidos sobre os periféricos, reproduzimos isso ao olharmos para aquilo que um dia já fomos e que, a duras penas, temos deixado de ser, uma nação pobre, com milhares de pessoas vivendo em condições precárias e incapaz de criar processos virtuosos de desenvolvimento.

Não é a toa que nas propagandas turísticas de Moçambique aparece sempre o slogan de que é a “Nação do Sorriso”. Riso e alegria presentes nas crianças sempre faceiras a brincar em praças e lugares com alto potencial turístico, mas degradados pela inoperância governamental, a insensibilidade das empresas privadas e incapacidade de organização da sociedade civil no país. No outro lado da fronteira física, aparece a África do Sul dos grandes safáris, cidades de grande porte, fazendas belíssimas de origem holandesa e do credo presbiteriano. Incrível reconhecer também que vi de tudo na África, menos as manifestações religiosas que no Brasil denominamos de africanas, bem escondidas pelo estigma de ser africano pobre e pouco desenvolvido, não só economicamente, mas social e culturalmente. Na fronteira do imaginário social, aparece o Brasil de Lula e da inclusão de milhões de pobres no mercado de consumo, das grandes empresas do setor mineral e petrolífero e da economia bem gerenciada macroeconomicamente. As mazelas desses dois emergentes de pés sujos parecem passar despercebidas pela construção social moçambicana acerca de seus “primos ricos”. Mal sabem nossos compadres lusófonos que essa mesma África do Sul pouco gerou de riqueza para os seus filhos mais pobres com a mirabolante Copa do Mundo de Futebol e que nós no Brasil vamos pelo mesmo caminho.

Terra bruta, onde tudo parece ainda por construir, Moçambique esconde um povo também cordial, como nós brasileiros, com tudo de bom e de ruim que essa cordialidade analisada por Sérgio Buarque de Hollanda tem nos provido. Nação invadida pelas ONGs internacionais, ou melhor, colonizada por organizações sem fins-lucrativos que fazem de tudo por lá, menos o essencial, e que imita dezenas de políticas públicas brasileiras bem e mal sucedidas, Moçambique abriga rico potencial humano, demonstrado pela qualidade da discussão e dos debates com os alunos que de lá tive o prazer de conviver. Terra de um islã que coexiste sem maiores sobressaltos com católicos e hindus, hoje também abriga dezenas de credos evangélicos exportados do Brasil, tanto aqueles com autêntico compromisso espiritual quanto aqueles mais interessados no bolso dos seus fiéis.

Feliz ano novo, Moçambique de minhas saudades! Que 2011 seja um tempo de fortalecimento da sua sociedade civil para que consigam fugir do lugar comum de responsabilizar governantes pelas suas mazelas sociais e ambientais, criticar a sabida inoperância das grandes ONGs  e sonhar com um “capitalismo maravilha” vindo da iniciativa privada. As sementes dessa sociedade civil africana já estão plantadas, resta germinarem e florescerem sob o imponente sol de África. 

Publicação original: Teodósio, A. S. S. Feliz Ano Novo, Moçambique. Hoje em Dia, Belo Horizonte, 27 jan 2011.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A Câmara e a Democracia em BH

Está tramitando na Câmara Legislativa Municipal de Belo Horizonte um controverso projeto de lei que reduz significativamente a autonomia dos conselhos municipais de políticas públicas. O argumento principal dos vereadores que apóiam o projeto é o de que os diferentes conselhos municipais da cidade detém poder demais, se tornaram espaços de manipulação política e engessam aqueles que seriam os verdadeiros representantes legítimos do povo, porque forem eleitos para tal, os vereadores. Entre os apoiadores desse projeto encontram-se vereadores que, pelo menos no nível do discurso, afirmam seu compromisso com a transformação social, a modernização das políticas públicas e a própria democracia.

Não se pode negar que vários conselhos de políticas públicas operam com vários problemas em Belo Horizonte e em várias outras cidades brasileiras. Clientelismo, paternalismo, jogo político-partidário em detrimento dos interesses públicos e representação de organizações da sociedade civil que se fazem presentes nessas instâncias apenas para competir por recursos e não para discutir o avanço das políticas públicas são alguns dos muitos problemas, que se somam na experiência brasileira de se construir a gestão pública através de conselhos. Além disso, nos últimos anos a democracia participativa em Belo Horizonte parece viver uma certa “ressaca”, deixando saudades daquele vigor e atuação que já teve no passado.

No entanto, nada justifica a retirada de autonomia dos conselhos em Belo Horizonte, ou em qualquer outra cidade brasileira. Essa iniciativa de projeto de lei carrega em si vários equívocos, problemas e armadilhas, além de deixar transparecer claramente o baixo nível de compromisso desses legisladores municipais com a democracia, aquela mesma que utilizam para afirmar sua legitimidade como representantes do povo. Se problemas de ordem ética e pública fossem argumento para a retirada de autonomia de qualquer órgão público, então deveríamos pleitear também a retirada de poderes do Legislativo, do Executivo e mesmo do Judiciário no Brasil, face aos recorrentes escândalos de corrupção que todos os dias aparecem nos noticiários. A solução não é essa e se isso vale para a Câmara Legislativa de Belo Horizonte, também tem que valer para os conselhos municipais de políticas públicas. Se operam mal, cabe modernizá-los, mas não destruí-los, retirando sua autonomia. Sem a sua autonomia, conquista histórica das lutas democráticas no país, os conselhos terão um apagado papel e baixíssimo impacto na construção de políticas públicas locais. A quem interessa que os conselhos municipais operem desta forma em Belo Horizonte?

Os conselhos municipais de políticas públicas no Brasil, e como não podia de ser diferente, também em Belo Horizonte, são fruto de uma conquista histórica dos movimentos sociais na sua luta para ampliar a democracia. Em qualquer democracia madura e avançada, como a brasileira tem se esforçado por se tornar, nunca apenas o critério representativo (eleições para escolha de representantes; no caso, em questão, os vereadores) é aquele que orienta a dinâmica de discussão e ação pública. Soma-se à democracia representativa, a dinâmica participativa, que precisa se materializar através de conselhos, fóruns, comitês e outras instâncias de gestão pública. Caso isso não aconteça, os poderes Executivo e Legislativo permanecem insulados em suas regras, normas e procedimentos, dizendo ao povo o que deve fazer, mas nem sempre construindo um diálogo horizontal e democrático com o próprio povo que os elegeu. Assim, não cabe cobrar procedimentos representativos e semelhantes aos da democracia representativa para a participação em conselhos municipais. A legitimidade se conquista nesses espaços, como os dos conselhos, pela iniciativa, pró-atividade e capacidade de apresentar idéias avançadas para a modernização das políticas públicas.

Além disso, a democracia participativa através dos conselhos são uma das expressões mais modernas na busca de uma gestão pública efetiva, que se modernize e passe a construir propostas e planos de ação capazes de efetivamente dar resultados. A pré-condição para isso é que partam do diálogo com a sociedade civil. Quando comunidades, organizações não-governamentais e cidadãos são efetivamente ouvidos e participam realmente da construção de políticas públicas, o apoio a sua implementação e operação são capazes de gerar resultados efetivos nas políticas públicas. Assim, a existência de instâncias de democracia participativa são também um elemento avançado de fazer as políticas públicas funcionarem melhor e trazerem melhores resultados para as cidades. A quem interessa que as políticas públicas em Belo Horizonte sejam menos efetivas?

Infelizmente, os apoiadores desse nefasto projeto de lei parecem conceber a democracia e as relações com a sociedade civil como um jogo de soma zero, ou seja, para que a Câmara Legislativa de Belo Horizonte tenha poder é preciso que retire poder dos conselhos de políticas públicas. Em um momento da democracia brasileira que se busca a construção de diálogos tri-setoriais (governos, ONGs e empresas construindo juntos políticas públicas) e cada vez mais os indivíduos se mostram preocupados e atuantes quanto aos problemas de suas cidades, mas sem necessariamente quererem agir através de partidos políticos e cargos no Executivo e Legislativo, alguns (infelizmente muitos) vereadores querem fazer retroceder a autonomia dos conselhos municipais. Felizmente, a sociedade civil, o Executivo e mesmo o Judiciário estão muito atentos a esse projeto de lei e já fazem forte oposição a ele. Você, caro eleitor, dirá “eu acredito” a qual proposta: a de alguns vereadores da Câmara Municipal de Belo Horizonte ou às organizações não-governamentais democráticas de nossa cidade?

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . A Câmara e a Democracia em BH. Hoje em Dia / Caderno Eu Acredito!, Belo Horizonte, p. 15 - 15, 31 dez. 2009.

A Disputa pelos Pobres I

Antes de começar esse artigo, um aviso ao leitor: não vou falar das ONGs, mas sim das empresas, que agora disputam os pobres em pé de igualdade com as organizações filantrópicas. Vejamos como.

Dentre uma nova geração de estratégias de responsabilidade social empresarial (RSE), têm se destacado ultimamente duas perspectivas ou noções: os chamados Negócios Inclusivos e as Estratégias da Base da Pirâmide ou BOP, na sua sigla em inglês. Informo que, na próxima edição dedicarei este espaço à segunda perspectiva mencionada, ou seja, às Estratégias da Base da Pirâmide ou BOP. Acompanhem!
Apesar de muitos considerarem que Negócios Inclusivos e BOP se confundem, ou até mesmo são a mesma coisa, é preciso diferenciá-los, pois há riscos e possibilidades de avanço nas lutas sociais em ambas as perspectivas, sendo que em um caso as armadilhas parecem ser mais presentes.

Negócios Inclusivos é uma expressão pouco usual no cotidiano das empresas brasileiras e mesmo no discurso das ONGs, com exceção talvez daquelas voltadas à inclusão da pessoa com deficiência (PCD) no trabalho. No entanto, a inclusão que se busca, com essa perspectiva, não é restrita apenas às PCDs. Também na academia, o tema é novo e pouco se encontra de publicações a seu respeito, sendo a maioria delas produzidas por organismos e ONGs internacionais, ou seja, não se trata necessariamente de literatura acadêmica (e, em tese, isenta para analisar criticamente essa proposta de combate à pobreza). De forma sucinta, pode-se dizer que Negócios Inclusivos são aqueles voltados à geração de oportunidades de emprego e renda para grupos com baixa ou nenhuma mobilidade no mercado de trabalho, dentro de padrões do chamado trabalho decente e de forma auto-sustentável, ou seja, para gerar lucratividade aos empreendimentos. Nesse rol de trabalhadores, que seriam alvo dos Negócios Inclusivos estariam mulheres e homens acima dos 40 anos de idade, pobres e de baixa escolaridade, comunidades locais com fortes vínculos étnicos (indígenas, quilombolas, ...), jovens sem experiência de trabalho e vivendo em regiões de grande vulnerabilidade social, PCDs e vai por aí a fora. Em suma, trata-se da pobreza em pessoa, nesse nosso Brasil tão desigual.

A aproximação com iniciativas da Economia Popular Solidária é bastante evidente na proposta dos Negócios Inclusivos, no entanto, diferencia-se dela porque não se circunscreve apenas a empreendimentos cooperativistas ou auto-gestionários. Ou seja, pode-se dizer que Negócios Inclusivos abrangem a Economia Popular Solidária, mas não o contrário. Na verdade, qualquer empresa que se voltar a esse público e inseri-lo em seu ambiente de trabalho ou nas organizações, que são suas parcerias na cadeia de suprimentos e distribuição, estará promovendo Negócios Inclusivos, desde que respeitadas também as condições de trabalho decente.

Cabe destacar que, ao contrário do que o nosso preconceito cotidiano muito bem fundamentado em ideias vagas pressupõe, a produtividade, a capacidade inventiva e a qualificação não formal, ou melhor, a sua capacidade de dar respostas adequadas às demandas cotidianas no trabalho é muito grande. Não é a toa que as empresas estão interessadas neles. Portanto, não se trata de favor ou caridade, e sim de transações econômicas bastante lucrativas. Quem ainda duvidar, pode e deve consultar uma série de pesquisas que comprovam exatamente isso.

Dentre as contribuições que as estratégias de Negócios Inclusivos podem trazer para se pensar e operacionalizar a responsabilidade social empresarial no Brasil e no mundo, uma merece grande destaque: a volta das atenções da empresa para seus trabalhadores. Infelizmente, nesses últimos 15 anos de RSE tupiniquim, vários estudos demonstram que as empresas se preocuparam demais com as comunidades em seu entorno ou área de atuação, deixando em segundo plano ou mesmo levando a uma perversa precarização do trabalho entre aqueles que, forçosamente, chamam de colaboradores.

No entanto, nem tudo são flores no jardim da fantasia da responsabilidade social empresarial. A proposta de Negócios Inclusivos, dependendo de quem a enuncia, vem bem embalada num pressuposto bastante questionável: o mercado é capaz de equacionar todos os problemas, inclusive e, sobretudo, os da pobreza. Se fosse assim, a África seria um continente muito próspero, pois investimentos empresariais lá existem faz muito tempo, ou então a China seria um exemplo de capitalismo ético. Mas, não vou entrar nessa discussão. Prefiro pensar que os mercados são condição necessária, mas não suficiente para dar conta dos problemas sociais e ambientais que afligem as sociedades contemporâneas.

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . A Disputa pelos Pobres I. Hoje em Dia / Caderno Eu Acredito!, Belo Horizonte, p. 15 - 15, 29 out. 2009.

A Disputa pelos Pobres II

No artigo anterior, discutimos a proposta dos chamados “Negócios Inclusivos” e seus desafios na promoção de trabalho e renda de forma digna para populações que têm dificuldade de se inserir no trabalho. Esse público é constituído por pessoas pobres. Continuamos a discussão com o que podemos chamar de o “primo-rico” dos “Negócios Inclusivos”, a Base da Pirâmide ou BOP. Essa proposta é originária do cenário estadunidense, tendo como grande guru C. K. Prahalad, o multiespecialista que escreve sobre quase tudo um pouco, e outro pesquisador mais sério, Stuart Hart.

A BOP implica na entrada de grandes corporações como fornecedoras, contratadoras ou mesmo parceiras de vários empreendedores que surgem entre as populações pobres. Baseia-se na descoberta de que uma economia informal, periférica e produzida pelas populações pobres movimenta recursos significativo. Isso têm despertado a atenção de inúmeras corporações transnacionais.

Não se pode negar que o acesso a produtos e serviços pode melhorar a qualidade de vida das populações pobres e também favorecer inúmeros empreendimentos que estariam inviabilizados sem esses recursos. Acesso a água, energia elétrica, internet e telefonia celular são alguns dos fatores essenciais que os pobres merecem acessar, inclusive com qualidade, sofisticação tecnológica e beleza. Caso não admitamos isso, estaremos sendo hipócritas e assistencialistas. No entanto, muitos desses recursos não são apenas produtos e serviços a serem consumidos, mas acima de tudo direitos ligados à vida digna e sobrevivência humana. Ainda assim, essa defesa da BOP não parece dar conta do seu maior risco.

As estratégias da Base da Pirâmide trazem mais riscos do que possibilidades para a efetiva promoção de trabalho e renda em condições decentes para os pobres. O que parece chamar mais a atenção é como conseguir vender para os pobres, tanto que um caso emblemático, usado como material didático nas aulas de MBA nos Estados Unidos, é de uma empresa brasileira muito conhecida, que vende milhares de produtos para os pobres, mas com juros exorbitantes.

O risco das estratégias da Base da Pirâmide levarem as grandes corporações a capturarem os negócios informais construídos pelos pobres é grande. Além disso, muitas dessas corporações não estão interessadas em efetivamente contratar os pobres em seus processos de distribuição de produtos e serviços, mas sim utilizar das estratégias que tais populações desenvolvem para produzir e consumir, forçando-os a trabalhar como distribuidores independentes dessas corporações, como uma empresa brasileira no setor de perfumaria, celebrada mundialmente como ecologicamente correta, faz sistematicamente com seus vendedores. No entanto, o maior problema está ligado ao fato de não ser nada salutar para a pobreza e para a democracia que milhões de pobres no mundo sejam dependentes de algumas poucas grandes corporações.

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . A Disputa pelos Pobres II. Hoje em Dia / Caderno Eu Acredito!, Belo Horizonte, p. 15 - 15, 26 nov. 2009.

A Volta do Embornal

Estava no supermercado, esforçando-me para não levar nenhuma sacola plástica para casa, o que nem sempre consigo fazer, quando encontrei com uma colega. Militante do movimento de trabalhadores desde longa data, além da surpresa de saber que moramos no mesmo bairro, mais surpreendida ficou em saber que uso sacolas permanentes para as compras. Disse a ela que era a volta do embornal, só que agora, numa versão contemporânea e motivada pela consciência ambiental. Disse-me que “não tinha paciência para isso” e, de certa forma, ironizou minha “ecochatice”. Apesar de não usar literalmente essa expressão, talvez nem precisasse dizê-la com todas as letras, visto que precisamente subliminar se fez expressar. Para mim, “ecochato” parecia expressão datada, de décadas atrás, quando do início das lutas ambientais em terras tupiniquins, e referência sepultada pela centralidade que os problemas ambientais parecem ganhar no cotidiano da vida nos centros urbanos contemporâneos, midiatizados pela grande imprensa ecologicamente correta.

Infelizmente, esse tipo de postura, não se circunscreve a uma amizade minha. Pouco depois, lembrei-me de outros colegas, ativistas pelos direitos da infância & adolescência, que em uma conversa no intervalo de um encontro de ONGs, reconheceram sua “canseira” com as regras “ecochatas” da reunião e sua impaciência com as lutas sociais de outros campos de políticas públicas. “Narciso não acha belo o que não é espelho” parece ser pouco para explicar essa situação.

Essas duas histórias, longe de se constituírem em situações pontuais, infelizmente, parecem carregar o sentido de uma época na qual a sociedade civil organizada está cada vez mais presente nos “corações e mentes” dos brasileiros. Isso exige um exame bastante crítico desse contexto, ou quem sabe, dessa condição estrutural da sociedade civil e suas lutas, o que busco realizar de forma ligeira nesse ensaio, sob todos os riscos da simplificação que a argumentação rápida dos ensaios imprime à reflexão crítica.

Claro que, no meio universitário, acabamos virando todos uns chatos, não exercitando sobre nós mesmos a mesma crítica que cultivamos em nosso labor, exigente quanto ao pensamento sistemático e ao ceticismo recorrente. Ainda assim, tenho que reconhecer que, com a mesmice e o desânimo precoce de muitos de meus pares na academia, vários ainda em início de carreira acadêmica, imaginar que nós, acadêmicos, nos fiamos no talho do trabalho intelectual exigente, crítico e sistemático é ser ingênuo demais.
No entanto, o que importa é discutir a resistência, justificada e, na maioria das vezes, injustificada, de se trazer para o cotidiano as preocupações ambientais. E, tão preocupante quanto, é perceber que o universo da sociedade civil continua, como sempre foi, cindido entre diferentes lutas por direitos e com baixíssima capacidade de convergência de agendas entre os cada vez mais variados e heterogêneos movimentos sociais.

Formado no campo das relações de trabalho, mas já distante dele como pesquisador há alguns anos, a visão que tenho, agora como investigador da área de cidadania, esfera pública e responsabilidade socioambiental, é que as lutas empreendidas pelos grupos de interesse dos trabalhadores pouco ou nada dialogam com lutas ampliadas da sociedade em várias de suas frentes (cidadania política, meio ambiente, respeito às culturas locais, ...).

Prova cabal dessa minha desconfiança, na análise apressada que faço neste ensaio, é que com raríssimas exceções, sindicatos, centrais sindicais e observatórios do trabalho sequer enunciam mínimos posicionamentos sobre a ação social e ambiental das empresas. Muita dessa separação de agendas deve provir da visão de raiz marxista, bem representada pela epígrafe de Trotsky, “o capitalista dá com a mão esquerda o que toma com a direita”. Porém, independentemente de uma orientação maior ou menor em direção ao espectro da esquerda, a sensação que fica é a de que movimentos dos trabalhadores importantes e, muitas das vezes legítimos, pouco se interessam e têm a dizer sobre o que as empresas fazem de bem (ou mal), de forma premeditada ou não, pelos seus stakeholders internos (trabalhadores) e externos (comunidade, consumidores, governos, ONGs, ...).

Na literatura científica no campo das relações de trabalho essa aridez e, na minha singela e rápida análise, mediocridade investigativa pouco ou nada consegue enunciar sobre a convergência ou não dos movimentos trabalhistas com outras frentes de lutas da sociedade civil. Uma das raras exceções é Michael Burawoy, sempre lúcido e brilhante pesquisador inglês, um dos poucos capazes de promover esse debate de forma articulada, recorrendo à nata dos estudos no campo das relações de trabalho e da ciência política sobre sociedade civil para tentar descortinar um horizonte no qual as atenções e legitimidade dos movimentos dos trabalhadores em relação à sociedade passam por renovadas frentes de luta social e ambiental.

Na verdade, essa convergência não parece ser tão exótica assim, visto que no clássico Norberto Bobbio tem-se que as aspirações da esquerda convergiriam para a igualdade, ao passo que as da direita caminhariam para a liberdade. Dessa forma, muito sentido faria tentar compreender porque aqueles que enunciam o desejo de equidade no trabalho ou na infância & adolescência são, ao mesmo tempo, incapazes de perceber a centralidade da equidade e da pobreza nas lutas ambientais e desenvolver agendas convergentes de ação social.

No entanto, o leitor que me agüentou até agora pode, como infelizmente é muito comum encontrar hoje em dia na academia e na vida cotidiana, pensar que esquerda e direita são categorias ultrapassadas e anacrônicas. Simplismo de fácil digestão para cultos e incultos, a implosão dessas categorias parece-me afoita, ingênua e arriscada, pois, como vemos em Robert Kurz e também no excepcional Eric Hobsbawm, se a experiência comunista historicamente pouco construiu em termos de emancipação humana, muito clareia sobre as agruras da sociabilidade contemporânea e suas crises, sejam elas econômicas, sociais, culturais ou mesmo ambientais.

Mas, longe das pendengas acadêmicas, assoberbados pela sina das lutas sindicais e dos direitos da infância & adolescência, meus três amigos continuam a escrever a triste caminhada da sociedade civil brasileira, cindida em seu ventre, para gozo dos conservadores travestidos de céticos na sociedade da ditadura ecologicamente correta, e incapaz de se sintonizar com as lutas integrais da sociedade. Porém, nem tudo é decrepitude no jardim da (in)civilidade contemporânea. Haja Eric Hobsbawm, Junger Habermas, Boaventura de Sousa Santos e Milton Santos para dar conta de tantos desencontros, tanto na academia quanto no cotidiano dessa nossa sociedade civil, que esconde muito bem a desconfiança que ainda nutre pelos “ecochatos”. E eu, que já naveguei por vários mares da luta por direitos, nem sabia que tinha virado “ecochato”...

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . A Volta do Embornal. Circuito Notícias, Brumadinho / Minas Gerais, p. 6 - 6, 01 set. 2009.

Cidades Sustentáveis e Justas: Brumadinho fará parte ou não desta história?

Em primeiro lugar, dirijo-me aos leitores para me desculpar pela ausência em alguns meses. Passei por uma importante transição profissional, que me tomou mais tempo do que esperava. Além disso, faço essas considerações imaginando que muitos, quem dera a maioria, gostam dos meus escritos e deles sentiram falta. Aos que não me suportam, infelizmente informo que pretendo retomar as contribuições regulares para o Circuito Notícias.

É importante voltar a um assunto já tratado em artigos anteriores: os movimentos por cidades mais justas e sustentáveis, nos quais se inscrevem as experiências de Bogotá (“Bogotá como vamos?”) e de São Paulo (“Nossa São Paulo”). A elas se soma, agora, depois de aproximadamente um ano e meio de caminhada, o “Nossa BH”, do qual faço parte. São iniciativas da sociedade civil organizada, que contam também com a participação de empresas privadas comprometidas com a responsabilidade social corporativa. Atualmente, já está em operação a chamada “Rede Social Brasileira por Cidades Mais Justas e Sustentáveis” e sua homônima latinoamericana. Nas duas, estão presentes desde importantes capitais federais e estaduais, até cidades de menor porte como Ribeirão Bonito em São Paulo. Portanto, para os mais afoitos em descartar qualquer idéia nova, não se trata de uma iniciativa descolada da realidade e das necessidades de municípios do porte de Brumadinho.

Um traço importante dessas iniciativas é a produção de indicadores, através de métodos estatísticos avançados, sobre as diferentes políticas públicas desenvolvidas pelas cidades. A partir desses dados, somados a consultas sobre a percepção dos moradores acerca do que pensam, sentem e fazem ao viver nessas localidades, os movimentos passam a exercer controle social das políticas públicas, exigir transparência dos atos do legislativo e do executivo, incidir na construção de programas e projetos da prefeitura e, sobretudo, acompanhar a execução orçamentária municipal. Tudo isso com vistas a assegurar que as cidades caminhem em direção à sustentabilidade e a justiça social.

São experiências que buscam um diálogo independente com o poder público, sem conotação político-partidária e respeitando a pluralidade e diversidade de cada local, quer seja em termos religiosos, políticos, culturais, sociais e mesmo ambientais. Portanto, não se trata de fazer oposição por fazer oposição diante de um adversário no poder, ou de fazer apologia ao prefeito porque representa determinado grupo político aliado, mas sim de construir diálogos independentes, transparentes e exigentes com a gestão municipal.

Além desses movimentos, outras tendências e processos já em andamento na Região Metropolitana de Belo Horizonte, como a Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, construída com estímulo do governo do Estado, e a adesão de cidades como Betim ao Programa de Metas do Milênio da ONU. Tais iniciativas denotam que o futuro da gestão pública municipal na região será perpassado por novas formas de governança, com a produção de indicadores de gestão urbana, grande atenção à efetividade das políticas públicas e diferentes níveis de envolvimento da população nessas decisões e monitoramento. Quando se fala em governança pública, uma das perspectivas mais avançadas em curso em várias partes do mundo é o envolvimento de diferentes segmentos da sociedade na formulação, implementação, acompanhamento e avaliação das políticas de governo que incidem sobre suas cidades.

Estou disposto e, creio eu, também uma série de outras pessoas que têm carinho por essa cidade das brumas matinais, a construir o movimento “Nossa Brumadinho”. Já passa da hora de superarmos a lógica de que gostar, se interessar e querer o avanço do município passa pela disputa de cargos políticos e a presença na máquina de gestão da prefeitura. Uma cidade realmente justa e sustentável é feita também de uma sociedade civil plural, forte, articulada e capaz de assumir suas responsabilidades sobre o futuro do município. É nesta ceara que me vejo e desejo, mais do nunca, contribuir para a cidade que muito me deu e me ensinou, como já tratei em artigos anteriores.

Para os desconfiados de plantão, muitos deles movidos pela inveja e ganância, já deixo o aviso de que politicagem, populismo, paternalismo e interesses privados travestidos de interesse real por Brumadinho não terão espaço no movimento “Nossa Brumadinho”. A covardia de não querer, eventualmente, criticar ou elogiar a gestão pública local também não terão ressonância no movimento. Mas, sobretudo, essa iniciativa só pode existir se outros decidirem colaborar. Apenas eu com “meus botões” não posso e não quero construir um movimento social. No ano passado, quando também tratei desse assunto, várias pessoas se mostraram interessadas em participar. Agora, caros colegas de caminhada, chegou a hora de agirmos. Só para evitar que o comodismo e a passividade nos derrotem, deixo uma já conhecida, mas sempre atual frase de Kennedy: “Não pergunte o que o seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer pelo seu país.” Brumadinho espera respostas de todos nós. Os que tiverem interesse em partilhar dessa caminhada podem me contatar: teodosio@pobox.com. Vamos agir?

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . Cidades Sustentáveis e Justas: Brumadinho fará parte ou não desta história?. Circuito Notícias, Brumadinho / Minas Gerais, p. 3 - 3, 01 jul. 2009.

Ao ímpeto da esperança

Caro leitor, como tive retornos positivos de várias pessoas sobre artigos anteriores nos quais publiquei discursos que proferi em formaturas de alunos, ofereço a vocês uma versão sintética de meu último pronunciamento como paraninfo da turma de graduação em curso de Administração da PUC Minas em Betim, acontecido no dia 23 de janeiro de 2009. Espero que o texto lhes seja inspirador.
Queridos formandos, queridos novos administradores, nos reunimos aqui para reafirmar os compromissos que vocês e nós, professores e funcionários da PUC Minas em Betim, estabelecemos, mesmo sem termos clareza disso, quando vocês começaram o curso de Administração.

Em um momento da história humana em que afirmar compromissos parece dar lugar ao relativismo, fazendo versejar uma ética de conveniência e adaptabilidade a tudo e a todos, ter compromissos assume a aura de coisa antiga, ultrapassada, formalista e muito distante da efetiva realidade da vida. (...)

Nos tempos atuais, é muito comum pensarmos, ou mesmo partirmos da crença não confessada, que o compromisso consigo mesmo nada tem a ver com compromissos mais amplos, sejam com a sociedade, sejam com a própria humanidade. Ledo engano. Esses compromissos são sempre de todos e seu nome é esperança.

Há sempre uma esperança que se renova. E vocês, caros formandos, mesmo não se dando conta disso, exercem o papel aqui agora de renovar os sonhos de todos aqui presentes por uma vida mais plena. A magia das colações de grau reside justamente nesse resgate de nós mesmos, servindo para paralisarmos o cada vez mais atribulado e asfixiante cotidiano e voltarmos nosso olhar para o essencial do viver: o encontro de cada um consigo mesmo. (...)

A nós, professores e funcionários, cabe aceitarmos o papel, que parece ser glorioso, mas é sempre envolto em cortantes espinhos, de permitirmos que vocês sonhem e construam esperanças cada vez maiores e melhores. Nesse momento em que somos homenageados, nós professores e funcionários devemos também vestir o véu da humildade e, sem hipocrisia, nos desculparmos por nós e pelos nossos colegas que, vez ou outra, ou mesmo sempre, deixaram de cumprir seu papel essencial: o de difusores da esperança.

Esse papel, como disse antes, não é fácil de ser cumprido, pois cabe, sobretudo a nós professores, sabermos não só a hora de falarmos, tomarmos a palavra e nos expormos aos holofotes, mas sobretudo a hora de nos calarmos, cedermos a palavra, abrirmos o coração e a mente à escuta e deixarmos que outros, jovens que chegam à vida profissional, ocupem nosso espaço. (...)

Muitos pensarão que os compromissos aqui reforçados e depositados são uma série de regras tolas e anacrônicas, a serem deixadas de lado no transcurso da vida e do exercício profissional. Realmente, viver a vida a partir de regras que limitem a liberdade humana, inclusive as possibilidades de errar e praticar atos indesejáveis, é ceder ao lugar confortável do moralismo e da repetição, negando a própria essência do humano.

Mas, vocês, caros novos administradores, carregam a missão de jogar novo oxigênio no mundo, de deixar o lugar confortável do viver e ousar construir mais. Vocês podem estar pensando como vão assumir essa tarefa, visto que nem mesmo muitos de vocês acreditam que isso é possível. Pois digo a todos que quando comecei a minha caminhada eu também não acreditava que isso era possível e nem sabia aonde chegaria. Mas sempre alguém, ao longo da minha caminhada de vida, me faz lembrar, mesmo sem querer, do meu compromisso com a esperança.

O que pergunto a vocês é se, depois de uma longa caminhada de vida, terão ainda a esperança e a liberdade em seus corações. Confiem que sim, pois hoje, vocês renovam em nossos espíritos a esperança que move a todos os homens e mulheres. (...) A esperança tem uma pitada mágica, que fortalece a confiança e inspira para a caminhada. Nós, professores, acreditamos e depositamos nossas esperanças em vocês. Seus parentes, amigos e colegas de trabalho também depositam e depositaram, mesmo sem ter consciência disso, suas esperanças em vocês. Portanto, para a esperança se materializar, basta que alguém acredite, mesmo que o próprio protagonista da esperança não acredite nela. (...)

De nada vale o caminho da humanidade neste pequeno e insignificante planeta chamado Terra, se os próprios seres humanos não forem capazes de se reinventarem, mais e mais, de forma melhor. Vocês, caros formandos, têm essa tarefa. Mas tal incumbência não pode pesar nos ombros, pois esse é primeiro sinal de que não se está no caminho certo. Quando vocês vacilarem, se lembrem daqueles que em algum momento da vida de vocês permitiram que a esperança se renovasse em seus corações. Lembrem-se que nós professores, mesmo ficando, como todos, cada vez mais velhos e cansados da caminhada, retomamos o fôlego a partir de jovens como vocês, que todo semestre não nos deixam esquecer o compromisso que firmamos com nossa profissão e que é também a nossa sina de vida: o de aprender e ensinar sempre.

Muitos vão pensar que a esperança que compõe o enredo da vida humana se materializa em conquistas de dinheiro, poder e qualidade material de vida. Mas essas conquistas são simples co-adjuvantes na história vital, pois os protagonistas são outros. São o coração e a mente sempre altivas, sempre renovadas e inspiradas pela esperança, que circunda a todos os seres viventes. Por isso, não desejarei a vocês muitas conquistas, avanços profissionais e realizações, pois isso a vida pode ou não reservar a vocês e cabe a vocês mesmos escreverem esse destino.

Desejarei sim, que vocês saibam encontrar a si mesmos pelos caminhos da vida e saibam sobretudo, sem enxergar com os olhos e sem lembrar com a memória e a razão, carregar a esperança que se mostra tão evidente entre todos nós, nos olhares emocionados, no coração apertado e nas lágrimas neste momento.

A esperança, costurada pouco a pouco pelas amizades que vocês foram tecendo ao longo desses anos de PUC Minas, é também uma conquista importante de todos aqui presentes. Mesmo que os caminhos da vida levem bons amigos, que até este momento conviviam intensamente, a se distanciarem, o que vale é o que se viveu. Isso, ninguém tirará de vocês, nunca.

Encerro a minha fala com os votos de que vocês, quando derem o último suspiro vital, possam olhar para si mesmos cheios de esperança e terem o espírito reconfortado pela bela caminhada que construíram nesta vida, como alunos e agora como administradores, mas sobretudo como seres humanos que não fugiram à eterna aventura de viver. Vivam a vida, com tudo o que ela reserva a vocês!

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. . Ao Espírito da Juventude. Circuito Notícias, Brumadinho, p. 3 - 3, 01 set. 2008.

Gerencialismo no Terceiro Setor: a falta que faz “o porquê das coisas”

Quando comecei a me dedicar ao estudo do Terceiro Setor, há aproximadamente 10 anos atrás, incomodava-me sobremaneira o que hoje denomina-se de gerencialismo nos estudos sobre ONG´s e projetos sociais. Tal qual a expressão neoliberalismo, sua congênere no campo da gestão não é empregada pelos próprios gerencialistas, mas antes de tudo é usada pejorativamente para caracterizar uma visão que, apesar de negar sua natureza ideológica, reforça um pressuposto valorativo, portanto ideológico, muito presente no “modo de navegação” gerencial brasileiro ou, até mesmo, em diferentes países do mundo. A perspectiva gerencialista acredita que os processos e fenômenos ligados a gestão seriam simples questões de uma boa métrica administrativa, aplicável a todo e qualquer tipo de organização da mesma forma, independentemente de seu setor de origem, e sempre com um forte apelo funcionalista, ou seja, com um sentido de “consertar” todos os problemas (disfunções) decorrentes da má operação das organizações.

Como penduricalhos dessas crenças, somam-se outras facilmente encontradas não só entre os estudiosos da gestão, mas sobretudo entre os gerentes envolvidos nas tramas e dramas das organizações, inclusive aquelas da sociedade civil ou do Terceiro Setor, como é mais usual se falar. Essa ampliação de visões de mundo relativas à gestão abre espaço para pérolas do tipo: a) qualquer gestão governamental é sempre burocrática e ultrapassada, a das ONG´s sempre improvisada e “granjeira” e as das empresas o supra-sumo da eficiência administrativa; b) mercados são esferas sempre mais competitivas e meritocráticas (ou justas) do que qualquer dinâmica construída na esfera do Estado ou da sociedade civil; c) tudo e todos na vida humana em sociedade deveriam “aprender com quem faz, os homens de negócio” (cito aqui uma fala literal que brindou meus ouvidos numa reunião de conselho de ONG), absorvendo deles o pragmatismo essencial a toda atividade humana; d) discussões e debates acadêmicos, feitos pelos pesquisadores da gestão, são meros “delírios acadêmicos”, que mais servem para construir falsos castelos de arrogância e petulância científica do que realmente gerar alguma idéia útil para resolver os problemas concretos das organizações, sobretudo as do Terceiro Setor, ou melhor, sintetizando com mais uma fala que me foi dirigida de forma pouco cortês em outro congresso de ONGs: “quem sabe faz, quem não sabe ensina”.

Os problemas com esse tipo de concepção não seriam poucos, como a própria narrativa acima já deixa implícito e, longe de ser tema de interesse apenas da academia, na minha modesta avaliação dizem respeito aos próprios tempos e destemperos que vive o Terceiro Setor brasileiro atualmente. Um exemplo disso é um recente convite, dirigido a mim, para debater entre gestores de ONG´s sobre os prós e contras dessa expansão gerencialista, ou empresarial como denominaram no convite, no Terceiro Setor.

Imaginar que a gestão é um conjunto de receitas de bem fazer, como aparece com recorrência na literatura gerencial de origem norteamericana, é valorizar em demasia o “como fazer as coisas” em detrimento do “porquê tais coisas devem ser feitas”. Essa crítica, vinda do brilhante professor de uma das maiores universidades canadenses de administração, Omar Aktouf, serve para elucidar as armadilhas gerencialistas que capturaram muitas ONG´s brasileiras nas últimas duas décadas. Além disso, outro destacado professor, o brasileiro Tomaz Wood Jr., considera que a gestão contemporânea é marcada pelo simbolismo e sem que se consiga dar sentido à ação esperada e desenvolvida pelos diferentes atores que se relacionam com as organizações (empregados, comunidades atendidas, parceiros, doadores, ...), dificilmente se obtém resultados duradouros e consistentes na gestão.

Seduzidas pelo “eldorado administrativo” de usar com a máxima eficiência os recursos mobilizados, ampliar a captação de recursos, alcançar definitivamente a sustentabilidade financeira e gerar resultados inquestionáveis quanto à emancipação dos beneficiários, o Terceiro Setor brasileiro embarcou no “canto da seria empresarial” e, mais recentemente, nas promessas de parcerias ilimitadas propostas pelo Estado. Faltou nessa equação uma pergunta simples: por que gerenciar dessa forma e sob esses pressupostos?

Mas, como que passando ao lado dessa pergunta incômoda, gerentes e técnicos do Terceiro Setor foram treinados aos milhares nas primícias da gestão super moderna dos “comos”, ainda que muitas vezes dragassem lorotas que nem mesmo as próprias empresas engolem mais, como o famigerado modelo SWOT ou matriz FOFA de planejamento estratégico. Mero exercício do mais puro bom senso, o modelo SWOT, ao propor se pensar em fraquezas, forças, oportunidades e ameaças, é um belo exemplo de como gestores de ONG´s, muitos até então sem qualificação formal no campo da gestão, se deixaram levar por uma suposta proposta hipermoderna(sic) de avaliação organizacional (os primeiros modelos de planejamento estratégico datam da primeira metade do século XX) e abandonaram suas histórias de vida (e de suas instituições), com suas sabedorias práticas de gestão, em prol de soluções administrativas mitificadas. Não é a toa que outro importante professor de gestão, Henry Mintzberg, denuncia a verdadeira indústria de deformação de gestores que viraram os cursos de pós-graduação do tipo MBAs, porto seguro para a empregabilidade de muitos gerentes do Terceiro Setor e péssima opção para a efetiva modernização da gestão social.

Contra a falta de bom senso generalizada, nem é preciso recorrer a reflexões sofisticadas da academia, basta apenas remeter à própria vida cotidiana, celeiro de boas e péssimas idéias gerenciais. O problema das pessoas “sem noção”, infelizmente encontradas na gestão de inúmeras ONG´s brasileiras, é “a própria falta de noção”. Então, vamos ao “mundo da vida”, como talvez dissesse Habermas neste debate. Para tanto, devemos usar os porquês (lembro-me de meu livro de infância, “O porquê das coisas”): 1) Por que ONG´s, supostamente muito mal gerenciadas, têm melhor reputação institucional que empresas (pesquisas em vários países comprovam isso)?; 2) Por que não privatizamos tudo na vida, inclusive as relações sociais, visto que se tornariam mais eficientes? Não seria ótimo comprar relações de afeto e uma família inteira no mercado, já que tudo o comportamento egoísta dos atores nos mercados é o ideal de vida social!?; 3) Por que os grandes sabichões da gestão empresarial de mega corporações as levaram à bancarrota na última crise (não é a primeira e talvez não seja a última) do sistema capitalista?; 4) Por que depois de duas décadas de treinamento intensivo na gestão empresarial, as ONG´s brasileiras parecem viver uma crise de identidade?; 5) Por que a sustentação financeira do Terceiro Setor é sempre um porto distante, nunca alcançado definitivamente por nenhuma ONG?; 6) Por que inúmeras organizações do Terceiro Setor, ao mesmo tempo em que adotam diferentes técnicas da moderna gestão, tornam-se cada vez menos participativas, democráticas e capazes de motivar voluntários e empregados a se emprenharem no seu trabalho, o mesmo se dando na relação que estabelecem com as comunidades que atendem? Bem, vou parar por aqui, pois a lista de porquês é quase infinita.

Se você, caro leitor, conseguiu responder à esse questionário ilógico do prof. Téo (meu apelido na universidade), das duas uma: ou descortinou a “névoa” da ideologia gerencialista no Terceiro Setor ou, então, deve correr para tomar seu “gardenal gerencial” em algum MBA para poder continuar delirando sobre o “como”, sob pena de entrar em “parafuso administrativo”.

Num Terceiro Setor cada vez mais sem sentido, parte constitutiva de uma sociedade também cada vez mais sem sentido (o sentido é dado pelos porquês), não seria o momento das próprias organizações da sociedade civil, e não só os pesquisadores da academia, fazerem uma profunda, decisiva e paradigmática revisão crítica de sua caminhada nessas mais de duas décadas de discurso gerencialista entre as ONG´s brasileiras? Instigar é fácil, construir a reflexividade é bem mais difícil. Mas, o sujeito de sua história, seja ele um indivíduo ou uma instituição, desejando essa revisão, consegue dar seus passos dialeticamente. Essa é minha humilde visão dos processos de emancipação social, ainda que, tenho que confessar, trata-se de uma concepção um pouco ingênua e muito otimista. Mas é ela que me nutre na minha sina no ensino de Gestão Social e, para mim, se constitui em uma das múltiplas maneiras de dizer: Eu Acredito!

Versão ampliada do artigo TEODÓSIO, A. S. S. Gerencialismo no Terceiro Setor. Hoje em Dia, Caderno Eu Acredito!, 24/09/09, p. 13.

Desafios da Participação em Movimentos por Cidades Mais Justas e Sustentáveis

Neste artigo vou tratar dos desafios da participação em movimentos de participação popular que têm como objetivo construir novas relações dos indivíduos com o espaço público e com a política, de forma a cultivar a perspectiva da co-responsabilidade, da autonomia e do diálogo independente com a gestão municipal. Esses são eixos centrais na forma de ação e nas propostas de iniciativas como o Nossa BH, bem como de outras experiências em que compõem a chamada Rede Social Brasileira por Cidades Mais Justas e Sustentáveis.

Geralmente, essas iniciativas fundamentam-se em quatro dimensões básicas de ação, a saber: produção de indicadores para monitoramento de políticas públicas; levantamento da percepção da população sobre a vida nessas áreas urbanas; educação e mobilização para o exercício de uma cidadania proativa; e incidência em políticas governamentais. Além disso, movimentos como o Nossa BH se propõem a ser não partidários e sempre abertos a todo o diálogo que respeite a diversidade ideológica, cultural, religiosa e social da cidade.

As dificuldades e riscos com os quais se deparam essas experiências são muitos, mas em todas elas existem cidadãos, de diferentes de grupos sociais, que não desalentam seus sonhos frentes aos desafios e acreditam na possibilidade de se construir espaços públicos mais plurais, transparentes e dos quais se originem políticas públicas mais efetivas e capazes de promover a sustentabilidade e equidade da vida nos territórios urbanos.

Na realidade latinoamericana, marcada por dinâmicas autoritárias, paternalistas, populistas e clientelistas na vida política, o diálogo independente com os governos encontra resistências e percepções equivocadas entre atores do próprio Estado, da sociedade civil e também do mercado, que enxergam sempre politicagem e partidarismo em qualquer iniciativa que busque dialogar com os governos. Experiências como o Nossa BH Não se propõem a ser aliadas, nem muito menos inimigas, de determinado político no governo.

Não se trata também de construir dinâmicas de incidência na agenda de políticas públicas pautadas na estrita recorrência às informações decorrentes das tecnicalidades dos indicadores estatísticos. Para tanto, o entendimento da percepção da população sobre o que é viver naquele território que já foi chamado de "Cidade Jardim" se faz essencial, visto que o Nossa BH parte do princípio de que qualquer política pública só se constrói com a contribuição cotidiana dos cidadãos. Assim, pode-se caminhar em direção a uma cidade na qual o sentido de co-responsabilidade dos indivíduos se materialize nos espaços públicos, rompendo com a mera demanda por direitos, que muitas vezes resulta no ranço clientelista das interações entre sociedade e Estado no Brasil.

Articular diferentes movimentos e organizações da sociedade civil também não é tarefa fácil. Visões peculiares a determinadas lutas sociais e/ou ambientais e a tendência ao insulamento institucional acabam por dificultar o diálogo e interação entre ONGs, que paradoxalmente muitas vezes comungam dos mesmos princípios e visões de mundo. No entanto, o Nossa BH não pretende se constituir como “o” movimento social para o qual convergem todas as outras iniciativas da sociedade civil. Caso isso aconteça, a diversidade do espaço público daria lugar à homogeneidade, representando uma séria ameaça à pluralidade que se espera de qualquer sociedade efetivamente democrática.

Ao se abrir à participação de atores de mercado, o Nossa BH depara-se com outro desafio, o de romper com a tradição brasileira de investimentos empresariais em projetos específicos para determinadas comunidades dentro das cidades. Sem desmerecer esse tipo de ação social, surge a necessidade de que as empresas também contribuam para conquistas mais estruturais e duradouras, que só podem advir de políticas públicas de garantia de direitos sólidas e bem implementadas. Além disso, cabe cotidianamente no âmago do Nossa BH demonstrar que os atores de mercado têm seu espaço de exposição de idéias e argumentação, que não é superior ao de nenhum outro ator, sobretudo os da sociedade civil organizada. Com isso, pode-se romper com as resistências de determinadas ONGs que vêem, muitas vezes de maneira preconcebida, com desconfiança toda e qualquer presença empresarial no espaço público.

Como movimento social novo na cidade e que se esforça para ser inovador, transparente e participativo, o Nossa BH deixa seu convite a todos aqueles interessados em sonhar com uma cidade mais sustentável e justa, que para tanto deve ser construída a partir deste momento. Sem medo de enfrentar suas dificuldades e desafios, o Nossa BH é formado por pessoas que no lugar do ceticismo e da desesperança frente aos obstáculos souberam dizer: “Eu não desisto de meus sonhos cidadãos!”. E você, caro leitor, qual resposta vai dar a si mesmo e à sua cidade? Vários já deram uma resposta corajosa e comprometida. Faltam agora mais e mais mãos, sempre, para construirmos a colheita democrática com que nossos corações sonham. Para novas adesões, visite o sítio www.nossabh.org.br.

* O artigo é uma adaptação da versão originalmente publicada como TEODÓSIO, A. S. S. Desafios da Participação no "Movimento Nossa Brumadinho". In: Circuito Notícias, ano 15, edição 185, ago 2009, p. 3.

Controle Social e a Gestão Municipal: "tem, mas acabou"

Essa expressão, que costuma fazer parte da chacota cujo alvo é a mineiridade, aplica-se bem ao que acontece com o controle social da administração e dos gastos das prefeituras no país. Para muitos dos brasileiros, ora a nação é vista como o “país do futuro”, ora como o exemplo de tudo de pior que uma sociedade pode criar. O debate sobre corrupção padece desse mal na vida política brasileira. Quando se fala de administração pública, o lado pessimista e crítico vem sempre à tona. Mas, infelizmente, a crítica de muitos não passa de palavras jogadas ao vento. Quando se trata de engajar-se mais profundamente em processos de controle social da gestão municipal, a “ira santa” contra corruptos e corruptores morre na primeira dificuldade em compatibilizar uma agenda de compromissos pessoais com um mínimo de tempo para se dedicar aos assuntos comunitários.

Mas nem tudo são dramas e tramas na “Terra Brazillis”. Em Ribeirão Bonito, São Paulo, um grupo de pessoas, cansadas de tanta corrupção ativa e passiva, encoberta e explícita, criou um movimento contra tudo e todos que não queriam mudar o panorama da política municipal. Esse grupo, considerado inicialmente sonhador e ingênuo, hoje mostra para o Brasil que é possível controlar de forma muito eficiente as ações do poder público municipal. A experiência pode ser melhor conhecida através do sítio www.amarribo.org.br. Antes mesmo do combate à corrupção virar tema freqüente nos noticiários, esse movimento já conseguia colocar na parede e levar à exoneração gestores e políticos municipais nada cívicos.

Nos últimos anos, várias iniciativas de modernização da gestão pública avançaram no país. Junto com elas, em uma primeira geração de conquistas, veio um grande entusiasmo quanto à participação popular, formação de conselhos municipais, controle de contas públicas e legislação de responsabilidade fiscal, dentre outras inovações. Mas as experiências de avanço da cidadania participativa no país mostram que é preciso caminhar mais. Com o maior rigor das promotorias públicas e dos órgãos de controle orçamentário, a legislação e fiscalização se tornaram mais incisivas no combate à corrupção nas prefeituras. No entanto, prefeitos mal intencionados, assessorados por técnicos qualificados e ainda mais mal intencionados, podem criar novas artimanhas para mostrar que “não existe nada de podre no reino da Dinamarca”. Por isso é que em muitas localidades brasileiras o controle social “tem, mas acabou”: existe formalmente, mas não passa de procedimentos burocráticos e pouco diz respeito ao cotidiano dos moradores das cidades.

O controle social só conseguirá evoluir para além de regras e mecanismos de punição formais quando for concebido pelas comunidades como tarefa inerente a todo e qualquer indivíduo que se considere efetivamente cidadão. Apesar dessa empreitada levar anos e gerações para se consolidar, muitas mudanças já estão acontecendo em vários municípios do país, inclusive em Brumadinho.

Conselheiros municipais não alinhados com interesses da prefeitura começam a ganhar experiência nas malícias dos conselhos e colocar secretários municipais contra a parede. Jornais independentes e corajosos agem como contraponto à propaganda disfarçada de informação pública oficial da prefeitura. Empresas cansadas de desenvolver projetos sociais para cobrir ausências injustificadas da prefeitura, como a Vale do Rio Doce, começam a treinar e formar conselheiros especializados em análise da gestão e das contas dos municípios na área de infância e adolescência. Comunidades indignadas com tanto falatório e promessas vazias de políticos engajam-se em movimentos e redes sociais, tornando visível para a cidade os problemas que afetam os invisíveis sociais: pobres, excluídos e descriminados.
Iniciativas que podem parecer utópicas, mas que são prática corriqueira em muitos países, como a abertura voluntária do patrimônio pessoal dos candidatos para escrutínio público e o depósito em juízo do programa de governo, com o compromisso formal de cumprimento das promessas de campanha, poderiam representar uma mudança significativa na forma como se pensa e faz política em Brumadinho.

Infelizmente, os pessimistas vão dizer que, caso isso efetivamente acontecesse, não apareceria nenhum candidato à prefeitura. Mas para os otimistas, esse seria um passo mais decisivo em direção ao país do futuro, com o qual todos brasileiros aprenderam a sonhar. Os cidadãos indignados da pequena Ribeirão Bonito em São Paulo não esmoreceram com o que parecia uma utopia desvairada e hoje ensinam a cidades como Brumadinho que controle social, ao contrário das mercadorias das lojas, não pode “ter, mas acabar” e, sim, ter e ter cada vez mais.

Publicação original: TEODÓSIO, A. S. S. Controle Social e a Gestão Municipal: "tem, mas acabou". Circuito Notícias. Brumadinho/MG: 29/02/2008, ano 13, no. 166, p. 2.

Brumadinho, como vamos?: qual resposta ofereceremos?

A Colômbia é conhecida no mundo pela excelência de seu café e também pela qualidade de outras substâncias ilícitas que os abastados teimam em injetar continuamente em suas veias. Há dez anos atrás, Bogotá, capital colombiana, era uma cidade martirizada pelas chagas da criminalidade, degradação dos espaços públicos, políticas públicas insuficientes e ineficientes e grande descrença de seus moradores quanto a viver e conviver nesse espaço urbano. Sua imagem internacional, assim como Cáli e outras cidades colombianas, era de refúgio seguro de traficantes que encurralavam o governo, deixando aberto o espaço público para a criminalidade. Hoje, a cidade exporta experiências de gestão pública e envolvimento dos cidadãos nas discussões sobre o futuro da cidade. Espaços públicos foram reconquistados pela sociedade, que encurrala a criminalidade, mostrando ao mundo e a vários municípios brasileiros que se pode reduzir significativamente a violência em paralelo à expansão do respeito aos direitos humanos e a participação dos cidadãos no controle da gestão pública.

Várias cidades brasileiras têm se articulado para caminhar em direção ao que se produz e reproduz atualmente em Bogotá. Não apenas municípios de grande porte como São Paulo e Rio de Janeiro já apresentam grupos e movimentos articulados para monitorar políticas públicas desenvolvidas pelas prefeituras, mas também cidades de menor porte, como Teresópolis no território fluminense, implementaram iniciativas semelhantes. Belo Horizonte, na esteira dessas iniciativas, já começa a se articular e as perspectivas são bastante promissoras. O que acontecerá com Brumadinho? Novamente vai se perder o bonde da história de sonhos e realizações na construção de uma cidade melhor?

O controle social da administração pública desenvolvido pelos bogotanos envolve a sistematização e produção de uma série de indicadores (14 atualmente) sobre diferentes áreas das políticas públicas que se desenvolvem na cidade. Meio ambiente, saúde, segurança, educação, transporte e outros temas são monitorados a partir de bases de dados confiáveis e capazes de revelar detalhes positivos e negativos da cidade que, muitas vezes, são imperceptíveis ou mal compreendidos pelos moradores, absorvidos por suas preocupações cotidianas. Tanto em Bogotá, quanto em São Paulo, além da sistematização de indicadores e a sua publicização através de uma extensa rede de comunicação, são feitas pesquisas regulares sobre a percepção daqueles que vivem e trabalham nessas cidades acerca do que pensam e sentem com relação ao seu município.

Em Bogotá, depois de uma década da experiência, grupos sociais se articularam e se tornou letra de lei a obrigatoriedade de depósito dos programas dos candidatos à prefeitura, se comprometendo diretamente em trabalhar pela melhoria desses indicadores. São Paulo também tem conquistado avanços e já foi aprovado projeto de lei que determina o mesmo compromisso dos candidatos com a melhoria dos indicadores.

Um aspecto importante dessas iniciativas é que não partem do poder público, mas são uma conquista dos grupos organizados da sociedade civil, inclusive com forte participação empresarial nos casos de Bogotá e São Paulo. Além disso, não há conotação político-partidária e não se constituem em espaço de manobra do candidato X ou Y à prefeitura. Indicadores reduzem a perspectiva de inferências politiqueiras e partidárias na discussão da gestão pública, apesar de nunca serem completamente isentos por definição, pois não existe neutralidade científica total e por reproduzirem valores e desejos quanto à cidade que se idealiza adequada para viver.

O papel da mídia também é central nessa iniciativa, não só através dos grandes canais de comunicação, mas também via uma rede de inúmeros jornais e rádios comunitários e de bairro. Em Bogotá, o periódico mais lido em toda a Colômbia, El Tiempo, divulga sistematicamente os indicadores da cidade. Em São Paulo, a comparação desses indicadores foi capaz de revelar o fato de que bairros como Pinheiros, de elevada renda per capita, recebem até vinte mais recursos da prefeitura do que regiões periféricas e pobres como Parelheiros. A desculpa dos gestores públicos é que há mais equipamentos públicos nesses bairros. No entanto, isso revela não apenas os equívocos de um determinado mandato, mas de décadas de governos focalizando, propositalmente ou não, os mais abastados, em detrimento daqueles que mais dependem da oferta de serviços públicos.

Mas nem tudo são flores, há muitos desafios na construção de projetos como esses. Nada adianta produzir indicadores se a sociedade civil não os incorpora à sua discussão e percepção do que pensam sobre a cidade. Sobretudo nas instâncias de gestão participativa dos municípios, como é o caso dos conselhos municipais que têm se instalado nas áreas de saúde, educação, infância e adolescência, meio ambiente e segurança pública, esses indicadores podem servir para dotar os cidadãos de maior poder de debate e negociação frente aos técnicos de governo. Por outro lado, indicadores podem também se tornar refúgio para o pensamento tecnicista, que monopolizaria o poder através de seu conhecimento formal. Para tanto, projetos educacionais precisam se desenvolver a partir desses indicadores, fazendo com que pessoas com baixa escolaridade e sobretudo os jovens, possam voltar a se interessar pela política, tão em descrédito atualmente. Expressões culturais desenvolvidas pelas comunidades são essenciais para dar visibilidade e novas roupagens aos indicadores, aproximando-os dos grupos periféricos e excluídos das decisões governamentais monopolizadas por aqueles dotados de grande poder político e econômico das cidades.

Brumadinho tem todas as possibilidades para avançar em direção a um maior envolvimento de seus cidadãos no futuro da cidade. Inúmeras pesquisas sobre o município estão disponíveis, mas poucas delas reunidas e sistematizadas para oferecer uma visão integrada e estruturada sobre a cidade. Grupos sociais e indivíduos comprometidos com a melhoria da qualidade dos serviços públicos já atuam intensamente em vários conselhos e espaços de gestão participativa da cidade. Resta articular e organizar esses grupos e indivíduos. Diferentes canais de comunicação, como os jornais e rádios locais, já atingem o cidadão em seu cotidiano.
Estou decididamente disposto a apoiar aqueles que desejarem implementar essa iniciativa no município. Informações sobre a experiência de São Paulo podem ser obtidas no sítio www.nossasaopaulo.org.br e outros dados podem ser recebidos enviando mensagem para teodosio@pobox.com.

Permanece assim uma pergunta que não quer calar: os brumadinenses estão dispostos a construir esse projeto de cidade ou preferem o espaço cômodo de suas poltronas para criticar ou elogiar, sem fundamento maior, o que se faz na gestão municipal? Quando, no futuro, os novos moradores perguntarem “Brumadinho, como vamos?”, o que responderemos? As respostas podem se dar na perspectiva virtuosa colombiana ou podem ser no estilo politiqueiro de sempre. Quais respostas construiremos?

Publicação original: Teodósio, A. S. S. Brumadinho, como vamos?: qual resposta ofereceremos?. In: Circuito Notícias, Brumadinho-MG, no. 167, 31/03/2008.